A complexidade imposta aos contadores sufoca o Brasil

A complexidade imposta aos contadores sufoca o Brasil

No ano passado, tive o prazer de ser convidado pelo Conselho Regional de Contabilidade – CRC – do Rio de Janeiro para palestrar numa série de eventos pelo interior do Estado intitulados de Jornada Profissionalizante. O objetivo do Conselho era oferecer conhecimento atualizado sobre legislação, gestão de escritórios e boas práticas gerais para contadores baseados fora dos grandes centros.

A minha estreia como palestrante para um público exclusivamente de contadores aconteceu no dia 24 de Setembro de 2014, em Rio Bonito. Cheguei cedo no auditório que sediaria o evento para testar o sistema de projeção e garantir que minha apresentação sobre “Como ganhar produtividade na gestão de um escritório contábil” ficaria legal. Cento e poucas pessoas começaram o dia cantando o hino nacional como preparação para o dia intenso que teriam pela frente. Além da minha palestra e outras sobre temas mais gerais, estavam na pauta os assuntos do momento no universo da contabilidade: E-social, Sped Contábil e mudanças no Simples Nacional.

Não quero escrever aqui sobre o que falei , mas sim sobre o que ouvi, e o que ouvi me deixou de cabelos em pé. Como executivo de finanças e empresário, acompanho esses assuntos de uma certa distância há bastante tempo, mas, pela primeira vez, sentei numa cadeira durante um dia inteiro para ver todos os detalhes desses ambiciosos projetos do Governo Federal.

Confesso que o cenário é muito pior do que imaginava. Tive que sair inúmeras vezes para respirar e tentar digerir melhor a enxurrada de leis e normas que foram apresentadas naquele dia. Num determinado momento, pensei em atear fogo ao meu próprio corpo como forma de protesto em solidariedade àqueles profissionais que acordam todos os dias para cumprir uma série, cada vez mais “incumprível”, de obrigações fiscais. A complexidade imposta aos contadores e seus clientes é brutal, é vergonhosa e é nociva para nosso país.

 

Brutal

É brutal porque coloca contadores e empresas numa armadilha da qual muitos não estão preparados para sair, e o preço de não sair é alto, muito alto. Cada vez mais o contador trabalha para o Governo Federal, mas, no final do mês, quem recebe o boleto é o empresário. Ninguém gosta de pagar por um serviço que não lhe entrega valor, muito menos empresários que também lutam para sobreviver. Isso explica em parte a alta taxa de inadimplência de alguns escritórios de contabilidade (que pode chegar em alguns casos a 25–30%) e a insatisfação de muitos clientes. Recentemente, fizemos uma pesquisa com empresários e descobrimos que 67% das empresas não recebe nenhum tipo de relatório do seu contador e que 20% pensa em mudar de contador nos próximos seis meses.

 

Vergonhosa

É vergonhosa porque mostra a incapacidade do nosso governo de fazer normas que sejam de fato simples. Mesmo insatisfeitos por termos a legislação fiscal mais complexa do mundo, seguimos avançando rumo a mais complexidade. Aparentemente, não tem ninguém em Brasília que se pergunte por que na Nova Zelândia uma pequena empresa tem que cumprir somente duas obrigações fiscais por ano. Será que estamos certos e todo o mundo desenvolvido está errado? Não é à toa que Leonardo Da Vinci disse que a “simplicidade é o último grau de sofisticação”.

 

Nociva

E é definitivamente nociva para o país porque estamos engessando empresas e indivíduos, que são os únicos agentes que geram riqueza numa economia. Muitos defensores dos projetos da Receita Federal justificam a complexidade como sendo necessária para acabar com a informalidade e a sonegação, que se estima beirar 39% do total da riqueza produzida no país. Entendo o argumento e acredito que esses são objetivos fantásticos, mas não podemos parar um país inteiro porque existe sonegação. É como instituir o toque de recolher entre as 20h da noite e 8h da manhã porque grande parte dos homicídios acontece nesse horário. Não existe Nota Fiscal Eletrônica nos EUA, nem certificado digital, a invoice (documento de cobrança que pode ser comparada a nossa NF) pode ser feita no World ou Excel e estima-se que a sonegação na terra do Tio Sam gire em torno de 8%, quase 5 vezes menos do que aqui. Sabe por quê? Porque quem é pego sonegando por lá vai para a cadeia na hora, não tem conversa com fiscal, processo administrativo, sai do escritório de algema, não importa quem você seja. O que a Receita Federal tenta fazer no Brasil é contrabalancear a impunidade com controle total, o que na teoria é bom, mas na prática só existe controle total com uma complexidade que esmaga a iniciativa privada, reduz o nosso crescimento e desenvolvimento social.

 

Desafios para o futuro

Acho que estamos diante de dois desafios, um individual e um coletivo. No plano individual, contadores e empresários tem que aprender a trabalhar com processos complexos o quanto antes, sob risco de perderem os seus negócios se não conseguirem. O empresário contábil tem que montar uma organização baseada em processos, ferramentas e pessoas que gere um ganho de produtividade tal que permita que ele cumpra suas obrigações contratuais e ainda consiga gerar valor para seus clientes. No plano coletivo, temos que nos organizar para lutar contra a complexidade que nos tem sido imposta goela a baixo há décadas. Esse não é um pleito egoísta, duzentos milhões de brasileiros dependem da performance das nossas empresas para ter segurança, emprego, saúde e educação. No início dos eventos do CRC, cantamos “verás que um filho seu não foge à luta”. Acho que essa é uma boa luta, a hora chegou.

 

Gabriel Gaspar

CEO do Nibo, formado em Economia, pela Ibmec, Gabriel tem passagem por grandes empresas, como McKinsey e JPG, e tendo atuado como CFO da Hamon do Brasil e Beneteau do Brasil.

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